Em seu interessante livro O Fator Melquisedeque, Don Richardson argumenta que em todos os
povos do mundo Deus deixou uma semente do evangelho, isto é, alguma
característica cultural que serviria de ponte para a entrada da Palavra.
Um povo da
Indonésia fabricava, uma vez por ano, um barquinho de madeira, amarrava nele
uma galinha e uma lanterna acessa, e cada um dos membros da tribo fazia um
gesto como que pondo ali um objeto invisível. Quando eram perguntados o que
haviam deixado no barquinho, respondiam: “Meu pecado”. Depois, o chefe da tribo
deixava o barquinho ser levado pela correnteza de um rio, enquanto todos comemoravam
gritando: “Estamos salvos!”
Embora esta
cerimônia religiosa não salve ninguém do seu pecado, diz Richardson, ela pode
ser usada como uma ponte para o conhecimento do evangelho. O fato de a tribo
indonésia ter uma espécie de consciência do próprio pecado e querer despejar
sobre um ser vivo a sua culpa, sacrificando o animal, ilustra muito bem o
conceito cristão da expiação, e pode ser usado para explicar essa doutrina.
Uma das minhas histórias
preferidas das 26 que o livro conta é a dos primeiros missionários enviados à
China. Eles tiveram que enfrentar um obstáculo que parecia intransponível: o
idioma chinês. Richardson não menciona isso no livro, mas o chinês é uma língua
tonal: uma palavra pode assumir vários significados dependendo da entonação com
que é enunciada. [Tem uma demonstração formidável disso, um poema que usa
apenas o som shi, sobre o qual talvez eu fale em outro post. Por enquanto,
direi apenas que “Shī shì shí shī shĭ” significa “O poeta comedor de leões no covil de pedra”].
O fato de o
idioma ser tonal já torna o aprendizado um desafio enorme para um ocidental,
mas Richardson conta que o mais difícil para os missionários foi aprender o
sistema de escrita chinês. Acostumados com alfabetos europeus de 26 letras,
eles ficaram admirados ao descobrir que a escrita chinesa usava um conjunto de
214 símbolos, chamados “radicais” ou bushou,
que se combinavam para formar de 30.000 a 50.000 ideogramas!
Abaixo, transcrevo um trecho do livro. Volto depois.
Os 214 radicais do sistema de escrita chinês. Os números em fundo escuro são a quantidade de traços necessários para escrever os ideogramas subsequentes. |
Abaixo, transcrevo um trecho do livro. Volto depois.
“O santo mais paciente teria dificuldade em
controlar-se num caso assim! Como um Deus soberano poderia permitir que um povo
desenvolvesse um sistema de escrita tão ‘radical’? Será que Deus não se
importava com o fato de que a escrita chinesa colocava uma barreira
praticamente intransponível à comunicação do evangelho a um quarto da
humanidade?
“Certo dia, porém, um dos missionários deixou
de se queixar. Ele estava estudando um determinado ideograma chinês, que
significa “justo”, notando que possuía uma parte superior e outra inferior. A
superior era simplesmente o símbolo chinês para cordeiro. Logo em baixo do
cordeiro havia um segundo símbolo, o pronome da primeira pessoa, “eu”. De
repente percebeu uma mensagem surpreendentemente bem codificada, oculta no
ideograma: 'Eu, que estou sob o cordeiro, sou justo!'
“ Ali estava exatamente o centro do evangelho
que ele atravessara o oceano para ensinar! Os chineses ficaram surpresos quando
ele lhes chamou a atenção para a mensagem oculta. Jamais a tinham notado, mas
uma vez alertados, perceberam-na claramente. Quando ele perguntou, ‘Sob qual
cordeiro devemos estar para sermos justos?’, eles não souberam responder. Com
grande alegria, contou-lhes, então, a respeito do ‘Cordeiro que foi morto,
desde a fundação do mundo’ (Ap 13.8), o mesmo ‘Cordeiro de Deus, que tira o
pecado do mundo’ (Jo 1.29)”.
Voltei. Infelizmente,
O Fator Melquisedeque não traz
ilustrações com os caracteres chineses, mas um livro disponível na Web chamado
“The Discovery of Genesis – How the
Truths of Genesis were found hidden in the Chinese Language” enumera vários
exemplos dessas mensagens ocultas. O blog Calebante traz com exclusividade
algumas dessas mensagens para que você possa evangelizar aquele seu vizinho
chinês, e ainda lhe ensina a digitar os caracteres no Microsoft Word. Abaixo,
os símbolos e as explicações:
O ideograma para criar reúne os símbolos para lama,
boca e capaz de andar. Traz ainda um radical chamado piě, que é um pequeno traço caindo, para sugerir a ideia de movimento ou vida. Compare com Gênesis 2.7: “E formou o SENHOR Deus o
homem do pó da terra, e soprou [com sua boca] em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente [não
um bebê, mas um adulto, capaz de andar]”.
O caractere para jardim traz os símbolos de fôlego, lama e duas pessoas,
todos envoltos num radical retangular que significa cerca ou invólucro. Seria
uma referência a Adão e Eva, presos no Jardim do Éden?
O símbolo chinês
para barco reúne a palavra para embarcação, o símbolo para o número oito e o caractere para boca. Em chinês, a boca é frequentemente
uma representação metonímica para uma pessoa. Você se lembra de alguma
embarcação que transportou oito pessoas? A Arca de Noé!
O radical que
significa homem é uma figura que
lembra um Y invertido. O ideograma que significa árvore é uma cruz com o símbolo do homem superposto a ela! E o
símbolo para venha exige dois outros símbolos menores para homem, colocados de
cada lado da árvore, com o homem maior sobreposto a ela. Alguns estudiosos da
escrita chinesa afirmam que as duas figuras humanas menores significam
coletivamente a humanidade. Caso
positivo, o ideograma que significa venha parece conter um código que diz:
“Humanidade, venha para o homem da árvore”.
Para ser bem
honesto, algumas das interpretações dos ideogramas chineses parecem meio forçadas.
Diz Richardson: “Nem todos os
pesquisadores concordam sobre a interpretação exata de cada símbolo. Não
obstante, os próprios chineses (e muitos japoneses, pois o Japão usa
praticamente o mesmo sistema de escrita) ficaram intrigados com as
interpretações sugeridas pelos missionários. Mesmo quando as teorias não são
conclusivas, a simples discussão sobre elas pode ser suficiente para comunicar
a verdade espiritual aos incrédulos”. Quer seja uma
provisão divina para o povo chinês ou um punhado de coincidências, o fato é que
muitos pastores chineses ainda consideram o emprego desses vários símbolos como
um meio válido de fazer contato com a mente do povo.
Bem, se você
quer digitar os caracteres chineses no Microsoft Word (não vejo por que você ia
querer, mas não estou aqui para julgá-lo), siga essas instruções: mude a fonte
para Arial Unicode MS, ou outra fonte com caracteres chineses, digite o código
7FA9 e aperte Alt+X. Pronto, aparece o lindo ideograma para “retidão”. Abaixo,
uma tabela com os caracteres mencionados aqui e seu código Unicode:
Fontes:
O Fator Melquisedeque, de Don Richardson;
The Discovery of Genesis – How the Truths of
Genesis were found hidden in the Chinese Language, de C. H. Kang e Ethel R.
Nelson;
tÃO SÁBIO MEU SOBRIM. ANGINHA
ResponderExcluirParece meio louco, mas ontem à noite (antes de sequer imaginar que vc escreveria sobre isso), eu estava com o livro "Fator Melquisede" nas mãos conversando com um amigo sobre a teoria de Richardson sobre a preparação dos povos ao evangelho. =O
ResponderExcluirÉ realmemte muito interessante observamos essa peculiaridade do alfabeto chinês. É quase assombrador! Isso dá um pano pra manga...
Enfim, preciso elogiá-lo quanto a esse post. Apesar de sempre ler bons textos em seu blog, sem dúvida esse foi o mais interessante até agora. Muito bem exemplificado, com uma colaboração pessoal ao leitor e trazendo não apenas uma opinião, mas uma informação riquíssima de teor cristão. Parabéns! Espalharei.
Muito obrigado!
ResponderExcluirImaginei que você conhecesse o livro e que iria gostar se lesse sobre isso no meu blog. Parece que acertei! =)
Deborha, considero sua opinião incrivelmente valiosa.
Mais uma vez, obrigado pelo apoio!
Estou lendo o livro "O fator Melquisedeque" e ao pesquisar sobre os ideogramas chineses encontrei seu blog. Gostei muito.
ResponderExcluirSeu post me ajudou muito. Deus abençoe seu trabalho!
Parabéns pelo post! Não muito diferente da moça que comentou anteriormente, tbm estou lendo(de novo) "O Fator Melquisedeque". Decidi pesquisar e achei seu blog. Muito esclarecedor, obrigada!
ResponderExcluirDa mesma forma, li o livro e fui pesquisar sobre o ideograma chinês e achei o blog. Supriu a minha curiosidade de ver os ideogramas citados. Parabéns!
ResponderExcluirNem sempre kanjis complexos são formados por kanjis menores no significado. Podemos ter valor fonético, veja yellowbridge Chinese Dictionary Etymology
ResponderExcluirMuito interessante, estou na msm linha dos amigos acima... Estou lendo o livro "O Fator Melquisedeque" e bateu curiosidade sobre o ideograma pesquisei e cá estou. Muito bom posto👏🏾🙏🏾
ResponderExcluirPost*
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