sábado, 11 de fevereiro de 2012

Abelhas sabem Cálculo Diferencial

Se a Geometria é o estudo das formas e a Álgebra é o estudo das propriedades dos números aplicado à solução de equações, o Cálculo Diferencial e Integral é a parte da matemática que lida com variações. Qualquer situação em que uma ou mais grandezas estejam mudando pode ser analisada com os recursos do Cálculo.

    Uma das inúmeras aplicações do Cálculo é a descoberta de máximos ou mínimos de funções. Suponha que você seja dono de uma fábrica de refrigerante de seriguela e queira fabricar latas de 350 mL. Existem inúmeros tamanhos diferentes que você pode usar. Por exemplo, você pode fazer as latas com 12 cm de altura e 6,1 cm de diâmetro. Mas se você for uma pessoa econômica não vai querer isso! É melhor fazer uma lata com 10 cm de altura e 6,7 cm de diâmetro, pois assim você estará gastando 3% a menos de alumínio. Entre todas as latas de 350 mL, qual a mais econômica? Essa será uma pergunta muito importante para você e suas seriguelas e pode ser resolvida pelo Cálculo. Descobre-se que a lata mais econômica é aquela cuja altura é igual ao diâmetro (no nosso caso, 7,6 cm de altura)*.

    As abelhas também usam conhecimentos de Matemática para construir suas colmeias: elas desejam depositar o mel que fabricam em alvéolos de cera que tenham a forma mais econômica possível, isto é, que apresentem o maior volume para a menor porção de material empregado.

    Para haver economia de material, é necessário que a parede de um alvéolo sirva também ao alvéolo vizinho. Logo, o alvéolo não pode ter forma cilíndrica, pois se fosse assim cada parede só serviria a um alvéolo. Na verdade os alvéolos devem ter forma de prismas.

    Só há três prismas regulares que podem ser justapostos sem deixar interstício: o triangular, o quadrangular e o hexagonal. É assim porque os únicos polígonos com os quais se pode pavimentar um plano sem deixar espaços vazios e sem que haja intersecções são o triângulo eqüilátero, o quadrado e o hexágono regular. Com pentágonos regulares, por exemplo, não é possível formar um mosaico.


    As abelhas escolheram usar prismas hexagonais. Você sabe por quê? Porque dos três prismas regulares construídos com porção igual de cera, o prisma hexagonal é o que apresenta maior volume.


    Os espertos himenópteros ainda precisam decidir qual a maneira mais econômica de fechar os alvéolos. A forma adotada é a seguinte: o fundo de cada alvéolo é constituído de três losangos iguais e também serve como fundo para outros alvéolos, pois a colmeia é arranjada em favos com duas fileiras de alvéolos. 



    O volume dos alvéolos depende da forma dos losangos usados para fechá-lo. O primeiro a se interessar por essa forma parece ter sido o astrônomo italiano Jean-Dominique Maraldi (1709-1788). Ele determinou experimentalmente, com absoluta precisão, os ângulos desses losangos e achou 109°28’ para o ângulo obtuso e 70°32’ para o ângulo agudo.

    Em 1739, o físico René-Antoine Ferchault de Réamur (1683-1757), supondo que as abelhas eram guiadas, na construção dos alvéolos, por um princípio de economia, propôs ao geômetra alemão Johann Samuel König (1712-1757) o seguinte problema:

Entre todas as células hexagonais com o fundo formado por três losangos, determinar a que seja construída com a maior economia de material.

    König, que não conhecia os resultados obtidos por Maraldi, achou que os ângulos do losango do alvéolo matematicamente mais econômico deviam ser 109°26’ para o ângulo obtuso e 70°34’ para o ângulo agudo.

    A concordância entre as medidas feitas por Maraldi e os resultados calculados por König era espantosa. As abelhas cometiam, na construção dos seus alvéolos, um erro de míseros 2’ no ângulo do losango de fechamento! Entre o alvéolo construído pelos insetos alados e o alvéolo “matematicamente correto” havia uma diferença extremamente pequena!**

    Alguns anos depois, em 1743, geômetra escocês Colin MacLaurin (1698-1746) retomou o problema. Imagine o que ele descobriu. Que havia um erro nos cálculos de Koenig e que o resultado real era precisamente os valores dos ângulos dados por Maraldi - 109°28’ e 70°32’. Os sábios da Ciência haviam errado. As abelhas é que tinham razão!

    Está demonstrado, portanto, que as abelhas devem ter bons conhecimentos de Geometria e Cálculo. Eu reproduzi as contas que elas devem fazer para construir suas colméias e avalio que seja um problema digno do primeiro ano numa faculdade de Exatas. Queira dar uma olhada dos meus cálculos (clique com o botão direito e selecione 'Abrir link em nova aba' para visualizar a figura inteira).




    A questão é óbvia, mas eu não posso deixar de fazê-la. Como as abelhas sabem a forma precisa que devem ter os alvéolos da sua colméia para que seja gasta a menor quantidade de material possível? A economia é tanta que basta um quilograma de cera para armazenar oito quilogramas de mel! Quem ensinou princípios de Modelagem Matemática a esses insetos?

    Sei que cresce bastante o número de cristãos que rejeita uma interpretação mais literal da Bíblia para abraçar o evolucionismo. Mas como a Evolução explicaria isso? [E é realmente uma pergunta, ficarei feliz em ouvir uma resposta. Admito que sei muito pouco sobre a Teoria da Evolução.] Será que ao longo de bilhões de anos surgiram inúmeras espécies de abelhas e a Seleção Natural se encarregou de eliminar todas aquelas que não projetavam os alvéolos de suas colméias com losangos de 109°28’ e 70°32’? Se o conhecimento for adquirido por meio de tentativa e erro, como a informação passa de uma geração a outra? 

    Agora me vem à mente aquela passagem da Bíblia em que um dos amigos de Jó, Eliú,  diz:

Por causa das muitas opressões os homens clamam por causa do braço dos grandes.
Porém ninguém diz: Onde está Deus que me criou, que dá salmos durante a noite;
Que nos ensina mais do que aos animais da terra e nos faz mais sábios do que as aves do céus? 
Jó 35.9-11

    Parafraseio Eliú e me pergunto como é possível que muitas pessoas não se questionem onde está Deus que as criou, e que faz abelhas mais sábias do que matemáticos da burguesia alemã.


* Se a lata mais econômica é aquela que tem o diâmetro igual à altura, por que as latas de refrigerante geralmente não têm esse formato? Eu não sei, mas devem haver outras coisas a ser levadas em conta.
** Para ter uma ideia de quão pequeno é um ângulo de 2' (dois minutos), imagine que uma formiga de 0,6 mm de altura ergue uma das extremidades de uma régua de 1 metro de comprimento. O ângulo que a outra extremidade faz com o chão mede aproximadamente dois minutos.


Fontes:
Matemática Divertida e Curiosa, de Malba Tahan;
A Geometria das Abelhas, monografia de Dominique Miranda Martins (UFMG);
Modelagem Matemática, de Rodney Carlos Bassanezi.



quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Harry Potter e a Bíblia – uma opinião dissidente

 

    É impressionante o número de sites evangélicos que pregam que a série de livros do bruxo Harry Potter são mais uma das multiformes estratégias de Satanás para seduzir os corações dos jovens e levá-los a práticas de feitiçaria e outras abominações. Neste blog você encontrará uma opinião contrária e poderá exercitar o costume honesto, inteligente e -  por que não dizer – cristão de sempre ouvir mais de uma opinião antes de solidificar a sua.
    As acusações a Harry Potter são tantas que fica até difícil coordenar a argumentação. Por isso este texto está escrito em forma de perguntas e respostas. Não é meu estilo de escrita favorito, mas me ajuda a organizar as ideias. Além disso, você poderá ler apenas as perguntas que lhe interessarem.

Por que você resolveu defender os livros do Harry Potter no seu blog?
Primeiro, porque as acusações feitas contra eles são injustas e o meu coração não se alegra com a injustiça ;-). A obra de J. K. Rowling é uma estória de coragem, amizade e lealdade que dificilmente escorrega para a pieguice. É um tanto triste ver que tanta gente rejeita a saga por simples preconceito. Segundo, porque eu adquiri o ótimo hábito da leitura depois de ter lido os sete livros da coleção. Meus pais são bons apreciadores de literatura universal e a motivação deles despertava a minha curiosidade por bons livros. Mas concentração nunca foi exatamente o meu forte, e eu perdia o interesse depois que tinha que passar duas ou três vezes por uma página para absorver o seu conteúdo. Os sete livros do Harry Potter são tão envolventes que até para um iniciante a leitura é bastante agradável. Com certeza eu não estaria lendo Os Miseráveis agora se não tivesse lido a saga do bruxo há alguns anos.

Li uma declaração medonha da escritora J. K. Rowling e, desde então, não quero nem ouvir falar nesses livros satânicos.
Pois talvez você esteja sendo crédulo demais. A declaração a que você se refere deve ser a seguinte:

Eu acho que é absolutamente vergonhoso protestar contra livros infantis e alegar que eles estão ludibriando e levando as crianças para Satanás. As pessoas deveriam ser gratas a isso! Estes livros levam as crianças a entender que o fraco e idiota Filho de Deus não passa de uma brincadeira vivente e que será humilhado quando a chuva de fogo realmente começar a cair, enquanto nós, os servos fiéis do Senhor das Trevas vamos rir e celebrar nossa vitória”.

Qualquer pessoa com um pouco mais de senso crítico desconfiaria que J. K. Rowling nunca disse isso. Uma coisa é certa: é vergonhoso que cristãos espalhem isso em seus sites sem sequer checar a fonte. A suposta declaração de Rowling foi divulgada no site de humor The Onion, que publica matérias absurdas como se fossem verídicas[1]. Como sempre acontece, há pessoas ingênuas o bastante para acreditar e sair divulgando sem nenhuma reserva.

Os livros do Harry Potter são cheios de bruxos, fantasmas, centauros e outros seres demoníacos.
A escritora fez um formidável trabalho de pesquisa para usar elementos de diversas mitologias (grega, celta, escandinava, etc.) para criar uma ficção. Não há nada de errado nisso. C. S. Lewis fez o mesmo para criar As Crônicas de Nárnia, cada uma das quais enfocando uma qualidade de Jesus Cristo (aliás, Lewis é um dos autores em quem Rowling se inspirou...). Monteiro Lobato fez algo parecido para criar o Sítio do Picapau Amarelo: usou elementos do folclore brasileiro para criar estorinhas infantis. Se você diz que um centauro é um demônio, deveria tratar com igual austeridade o Saci-pererê, pois ambos são personagens folclóricos – este, da tradição brasileira e aquele, da tradição europeia.

Mas Harry Potter é um bruxo, e a Bíblia condena a prática da feitiçaria.
Está claro que Harry Potter não é um feiticeiro como os da Bíblia. Harry Potter usa uma vassoura para voar e uma varinha para transformar botões em besouros. Onde é que isso está na Bíblia? Os feiticeiros dos tempos bíblicos sacrificavam animais a ídolos e consultavam cadáveres para prever o futuro. Cadê a similaridade? Se você encontrar nos livros do Harry Potter alguém participando de orgias rituais ou na Bíblia alguém com um hipogrifo de estimação, aí será outra coisa...

Mas tudo nos livros cheira a paganismo. Os personagens são todos pagãos.
Pois é, e você também seria se tivesse nascido na Inglaterra do século VIII (mas Deus, na sua graça, fez com que você nascesse no Ocidente do século XX, e é por isso que você já ouviu falar de Jesus Cristo). Os livros do Harry Potter têm elementos de culturas pré-cristãs, que ainda não conheciam a Cristo, mas nas quais Deus também se manifestou (se eu não me engano, é o que os teólogos chamariam de Revelação Geral). Os anglo-saxões pregavam o altruísmo e a caridade. Isso é coisa do diabo? Não! Isso é coisa de Deus! Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das Luzes! Seria inteligente rejeitarmos qualquer traço de uma cultura só porque ela não teve acesso à Bíblia?

Meu filho leu um dos livros e disse que queria ser bruxo. Tive que proibi-lo de ler os outros.
Seu filho precisa de acompanhamento psicológico. Se ele tem mais de onze anos e não consegue distinguir ficção de realidade, talvez ele tenha problemas. Proibi-lo de ler não vai adiantar; você só o estará privando de descobrir o prazer da leitura. Leve-o com a um pediatra.

Harry Potter é irado e vingativo. Meu filho não vai aprender essas coisas com ele?
É muito mais provável que ele aprenda a ser irado e vingativo com você. Realmente, Harry não é santo. Às vezes mente e desrespeita regras (sempre com a melhor das intenções, mas enfim...). Certamente você ensina a seu filho que essas coisas são erradas. Se ele seguir o exemplo de um personagem de ficção em vez do seu, você é um péssimo educador e deveria ser denunciado ao Conselho Tutelar. Embora não seja exatamente infalível, Harry Potter tem uma integridade inabalável. Ele não se deslumbra nem se deixa seduzir pela fama ou pelo poder e não julga os outros por sua aparência ou status (numa metáfora do mundo real, há criaturas consideradas inferiores só porque mais feias). Se o seu filho aprender estas virtudes em casa e reconhecê-las numa estória de ficção, isso será para ele uma ótima experiência!

Não sei... ainda fico meio desconfiado com essa estória de “bruxos do bem”...
Agora vou tocar em um ponto realmente importante. No livro Pensando Biblicamente, o pastor John MacArthur dedica um capítulo à cultura literária e artística. Ele enumera algumas questões úteis para abordar os produtos culturais a partir de uma perspectiva bíblica. Transcrevo abaixo uma dessas questões:
Qual é a postura moral aparente do trabalho em questão? O bem está representado como bem, e o mal como mal? Essas categorias estão difusas, mescladas, ou até mesmo, invertidas? O homem está representado como bom, mau ou nenhum dos dois?”
Nesse ponto os livros do Harry Potter não poderiam se sair melhor. É muito clara a separação entre o lado do Bem e o lado do Mal. Sim, são “bruxos do bem” e “bruxos do mal”, mas e daí? Seria a mesma coisa se, numa ficção científica, houvesse o lado dos “ETs do mal” e o dos “ETs do bem”, ou, numa fábula, o lado dos “coelhinhos do mal” e o dos “coelhinhos do bem”. O que importa aqui é a distinção clara entre o caráter e a falta dele, e isso é muito evidente na obra de Rowling. Veja, por exemplo, o que diz o antagonista, Lord Voldemort:
Não existem Bem e Mal. Existe apenas o Poder, e os que são muito fracos para conquistá-lo”.
Quer dizer, o grande vilão da estória é um niilista. Repare bem nisto: a falta de distinção entre Bem e Mal é precisamente o que os livros condenam como a mais execrável das ideias, digna do ser que se intitula Lorde das Trevas.

Mas não seria melhor educar o meu filho apenas com livros que o fizessem pensar em Jesus?
Você é quem sabe, mas eu tenho uma surpresa. [Cuidado! A seguir, minha opinião mais polêmica] Você pode usar os livros de Harry Potter para falar de Cristo. Meus amigos conhecem minha teoria de que os grandes heróis, os heróis de verdade, são meras imitações do Maior de todos os heróis, Nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo. No final da estória, Harry Potter descobre que só há uma maneira de derrotar o Lorde das Trevas: entregando-se para morrer por aqueles a quem ama[2]. O cristianismo ensinou ao mundo que a maior demonstração de amor possível envolve necessariamente o sacrifício. Grandes escritores compraram essa ideia e para compor seus heróis se inspiraram no Único e Verdadeiro Herói, Aquele que se sacrificou por nós, quando ainda nem éramos seus amigos. 
[1] É muito fácil checar isso. Veja, por exemplo, a página sobre boatos de Internet http://www.truthorfiction.com/rumors/h/harrypotter.htm. O site do The Onion é http://www.theonion.com/.
[2] J. K. Rowling disse que realmente usou também elementos cristãos em seus livros, inclusive com citações bíblicas.  Recomendo o texto da página
http://conteudo.potterish.com/a-autora-de-%E2%80%98harry-potter%E2%80%99-jk-rowling-fala-sobre-a-imagem-crista-do-livro/.