quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Uma broca redonda cria um buraco redondo na parede, e uma broca quadrada... também! Que broca criaria um buraco quadrado na parede?

   Se ainda não entendeu a questão geométrica, repare a animação que eu fiz quando conhecia bem o significado da expressão "tempo livre":

   Fica claro que um triângulo, um pentágono ou qualquer polígono convexo cria um círculo quando gira em torno do seu centro. Haverá alguma forma que crie um quadrado quando gira?
   Sim!
   Há várias, sendo a mais conhecida delas o triângulo de Reuleaux, chamado assim por causa do seu descobridor Franz Reuleaux, um engenheiro alemão. Eis um triângulo de Reuleaux criando um furo quadrado:

    Se você ficou se perguntando como seria assistir a um triângulo de Reuleaux se movendo enquanto ouve a música Ameno, do projeto musical Era, pode clicar aqui para ouvir a música e voltar para essa página para assistir a animação novamente.
    Você já deve ter usado um lápis fabricado de acordo com esse formato. É o meu formato para lápis preferido e facilmente eu explico: um lápis cilíndrico é confortável, mas vive rolando da carteira; o lápis hexagonal é o segundo mais comum, porque aproveita bem o espaço quando guardado na embalagem [veja Abelhas sabem Cálculo Diferencial], mas suas arestas angulosas o tornam desconfortável. O meu lápis preferido não rola na carteira, não é desconfortável e não desperdiça espaço. Além disso, adere bem à mão e cria oportunidades para conversas interessantes:
    - Que lápis legal! Onde você comprou? 
    - Não lembro e não me importo. Mas você sabia que esse formato é o triângulo de Reuleaux, batizado em nome de um engenheiro alemão?...
   Com uma leve adaptação, o triângulo de Reuleaux se torna a forma perfeita para um rotor em um motor Wankel, um motor de combustão rotativo que dispensa o uso de pistões tradicionais. 




    Outras aplicações do triângulo de Reuleaux incluem as rodas de uma bicicleta para hipsters e uma moeda da Botsuana. 
    Para terminar, mais um enigma geométrico: você sabe qual a figura em que uma ampliação tem o mesmo efeito de uma rotação? O círculo você sabe que não é: sobre um círculo a rotação não tem efeito algum, mas a ampliação o torna maior (!). Pois a figura a que me refiro pode ser girada ou ampliada, que dá no mesmo. É tema para outro post.



terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Quando a nossa homofobia atrapalha nossa pregação / Um padre falou e os evangélicos aplaudiram / Por que 1Co 6.10 é um versículo ruim

     Nunca tinha visto tantos crentes comentando de forma tão positiva as palavras de um padre como quando aquele sacerdote católico que vocês viram no Youtube teve a “ousadia” de dizer que homossexualismo é pecado e os gays vão todos pro inferno. Um amigo meu postou no Facebook o vídeo e alguém comentou: “Meu Deus! Um padre convertido!”




     Vejam só: a comentarista deduziu que o padre podia ser considerado evangélico só porque ele disse que os gays vão para o inferno. É que nós evangélicos somos frequentemente mais conhecidos pela nossa homofobia (e já eu explico porque estou usando esse termo) do que por um discurso claro do Evangelho, e isso é muito ruim. É ruim para nós e é pior ainda para o Evangelho.
     Deixe-me dar um exemplo para ilustrar meu ponto: Agenor, caso real mas nome fictício, se sente muito à vontade para falar mal dos gays na frente de sua família evangélica. Agenor não é crente, mas acredita que descobrindo um “inimigo em comum” pode ganhar alguma aprovação entre os evangélicos. Sabe-se que Agenor tem uma vida sexual agitadíssima; conta-se que usa drogas leves. E Agenor se sente perfeitamente apto para julgar e condenar os homossexuais, dizendo que tem nojo deles e entende a ordenança levítica do apedrejamento.
      Tendo convivido bastante com evangélicos, Agenor deveria saber que perante Deus não está numa posição melhor do que qualquer bicha louca. Se ele ainda não entendeu isso, é porque os crentes que conhece estão falhando miseravelmente na missão de pregar o Evangelho a ele, se é que já tentaram.
       Recapitulando: o Evangelho diz que todos – todos! - carecemos da glória de Deus. Temos uma dívida para com Ele. Também diz, e nisso é compatível com o senso comum, que os nossos méritos não anulam os nossos pecados, do mesmo modo que uma boa ação não pode compensar um crime. Ainda que tenhamos um estoque infinito de heterossexualidade, nós precisamos de perdão. Entendeu, Agenor?
       A homofobia de nós evangélicos consiste em que não tratamos os gays como a todos os outros pecadores. Para nós eles constituem uma espécie à parte de pecadores. Nós fazemos toda a questão de dizer por aí que homossexualismo é pecado, é pecado, é pecado, e nenhuma de dizer que maledicência também é. Se um padre falasse contra a maledicência, ou a ira, ou a falta de perdão, nós não compartilharíamos no Facebook e não o confundiríamos com um evangélico.
        Outro dia recebi um folheto de uma igreja batista que resolveu evangelizar com um versículo ruim: 1 Coríntios 6.10, que é uma pequeno rol de quem não entra no reino dos céus. Esse versículo é ruim para a Evangelização porque pode dar a impressão de que quem não se enquadra na lista negra está muito bem, obrigado. Acontece que a lista não é exaustiva e muita gente não se encontra em nenhuma daquelas categorias mas ainda assim está perdida. Toda pessoa (eu, você, Agenor e Padre Augusto) carece da glória de Deus e se não for graciosamente perdoada, estará separada dEle no outro mundo. Essa é a mensagem clara do Evangelho, que a Igreja insiste em obscurecer com sua mania de atormentar mais os pecadores que julga piores.

sábado, 17 de novembro de 2012

Os quatro temperamentos segundo Hipócrates

   Uma palavra basta para descrever 90% da minha personalidade. Alguns traços psicológicos andam sempre juntos e pessoas mais temperamentais como eu pertencem a um dentre quatro categorias de personalidade: Fleumático, Sanguíneo, Melancólico e Colérico. 
   Quem criou esse sistema de classificação foi o filósofo Hipócrates, baseando-se numas ideias gregas sobre quatro elementos e quatro fluidos corporais. Essa página da Wikipédia tem informações interessantes sobre a influência do pensamento hipocrático (hipocrático, e não hipócrita) na Psicologia. Neste blog você encontra as principais características dos temperamentos para descobrir o seu. Pode escolher dois deles, um principal e um secundário, mas se tiver que escolher um terceiro você deve ser uma pessoa chata ;-)



quarta-feira, 17 de outubro de 2012

10% do PIB para a educação? Sou contra! Ou: A principal culpa de a educação estar essa porcaria é de vocês, professores! Ou ainda: o professor é o novo gay


A Câmara dos Deputados acabou de aprovar um plano que prevê a aplicação de 10% do PIB na educação, até o ano de 2020. O projeto deve seguir para o Senado. É claro que essa loucura não vai ser aprovada. Se fosse, quebraria o Estado, como disse o ministro Guido Mantega. Mas eu aproveito o momento para dizer que ainda que fosse viável aumentar tanto os investimentos em Educação, não seria desejável se o principal plano fosse aumentar o salário dos professores da rede pública. De maneira mais prática, eu quero dizer que os professores não estão merecendo salários melhores porque de maneira geral estão fugindo de suas responsabilidades.

Até pouco tempo eu defendia com todas as forças que os professores deveriam ganhar o máximo possível, ou a educação nunca melhoraria. Mas eu sou do tipo que se deixa convencer pelos fatos, e os fatos são que desde 1995 o salário deles quintuplicou e a melhoria na qualidade da Educação foi praticamente zero. O pior é que parece cada vez mais politicamente incorreto criticar os professores públicos. Parece até que eles pretendem formar uma daquelas categorias que nunca se pode censurar. Agora já são duas: a dos gays e a dos professores.

Quer dizer que a educação é um fiasco e os professores não têm nada a ver com isso? O salário dos professores quintuplica, a educação continua um fiasco, e os professores não têm nada a ver com isso? Não podem ser responsabilizados? Ora bolas!

Quando era governador do estado de São Paulo, José Serra criou um programa de promoção de professores por mérito e qualificação. O que fez o sindicado dos professores do Estado? Foi à greve. (Aliás, professor adora uma boa greve, não?). Livros chegaram a ser queimados em praça pública. Tudo porque os professores não aceitavam que colegas mais competentes recebessem mais. Sobretudo, não aceitavam ser avaliados. Ora, não há dúvida alguma: um professor não aceita ser avaliado porque é um professor incompetente. Se o professor se esconde na escuridão, é que ele ama mais as trevas do que a luz porque suas obras são más.

Conheço muitos professores, alguns bem jovens, que caíram num triste estado de malemolência. Faz tempo que não se preocupam mais com a qualidade do serviço que oferecem. Se os alunos não fazem questão de aprender, pregam eles, não vale à pena fazer questão de ensinar. Há uma multidão gigantesca de educadores que adotam essa filosofia de ofício. Pois a Educação no País está entregue nas mãos desta gente, e aumentar o seu salário dez vezes não vai mudar em nada a situação.

O que nossos educadores precisam fazer urgentemente é mudar a postura e assumir que a culpa pelo desinteresse dos alunos também é sua. Isso mesmo! Os professores precisam se convencer de que uma de suas atribuições é precisamente estimular os seus alunos a aprender. Aliás, eu acredito que um professor que apresenta sua matéria de maneira desinteressante faz um estrago muito maior do que aquele que peca apenas por falta de conhecimento. A aversão a determinada matéria é muito mais difícil de corrigir do que meia dúzia de conceitos equivocados.

Acabo de ler na Revista Escola o seguinte depoimento de um professor de matemática: “O bom professor é tão apaixonado por Matemática que consegue fazer com que os alunos se apaixonem também.” É isso aí. Bons professores conquistam os seus alunos para o que têm a ensinar. É claro que isso não é fácil, mas é um ideal a ser perseguido. Enquanto os educadores não chamarem para si a responsabilidade de despertar em seus alunos a vontade de aprender, a educação não vai melhorar uma gota, ainda que o Brasil venda a Amazônia para arrecadar dinheiro para o Ensino.

Os políticos se pelam de medo de fazer isso, mas não há outra saída que não a implementação de um sistema que avalie constantemente os professores. Um sistema que recompense o mérito e puna a incompetência. Estão recebendo dinheiro do contribuinte? Pois têm que mostrar serviço de qualidade. Têm que se especializar, têm que estudar. Não sabem a matéria que se propõem a ensinar? Pois que vão embalar produtos no mercado - é um trabalho honesto e necessário. Não sabem passar adiante o seu conhecimento? Têm mais é que ir pro olho da rua. Não são capazes de estimular 40% dos seus alunos a aprender? - Rua.


Agora, a Pergunta Mais Frequentemente Formulada: Com que autoridade falas estas coisas? Tu tens pelo menos alguma experiência em sala de aula?

Não, não tenho experiência nenhuma em sala de aula. Também não tenho experiência nenhuma em enfermagem, mas me sinto perfeitamente apto para dizer que um enfermeiro que injeta sopa na veia de uma idosa é um enfermeiro incompetente, pois lhe falta a característica essencial da atenção. Com a mesma autoridade eu repito: se um professor não consegue fazer com que uma fração razoável dos seus alunos se interesse pelo que ele ensina, ele é um professor incompetente, pois lhe falta a característica essencial da paixão.

domingo, 16 de setembro de 2012

Outros cinco fatos interessantes sobre o número pi



5. A soma dos inversos dos quadrados dos inteiros positivos é igual a π²/6

Se você for somando os inversos dos números inteiros, vai obter um resultado cada vez maior:

S1 = 1/1 = 1
S2 = 1/1 + 1/2 = 1,5
S3 = 1/1 + 1/2 + 1/3 = 1,83333
S4 = 1/1 + 1/2 + 1/3 + 1/4 = 2,083333
S5 = 1/1 + 1/2 + 1/3 + 1/4 + 1/5 = 2,283333

Em algum momento essa soma vai ficar tão grande quanto se queira. Por exemplo, ela pode se tornar igual a 1 milhão, bastando que você some um número suficiente de termos. Poderíamos dizer que a soma de infinitos termos desta série é infinita ou, com um pouco mais de rigor, que é uma série divergente. Importante: a série diverge muito lentamente -  para que ela some 100 são necessários uns três milhões de trilhões de trilhões de trilhões de termos. Pronto, agora você já pode entender a piada abaixo, do SpikedMath.com:



“Ora, mas é lógico!”, você clama, “que se a soma fica cada vez maior, em algum momento ela ultrapassa até um número muito grande!” Mas isso não é tão óbvio quanto parece. Se você for somando os quadrados dos números inteiros, a coisa será diferente: o resultado nunca será superior a 1,645, por mais termos que se somem. Diz-se que esta é uma série convergente.

S1 = 1/1² = 1
S2 = 1/1² + 1/2² = 1,25
S3 = 1/1² + 1/2² + 1/3² = 1,3611
S4 = 1/1² + 1/2² + 1/3² + 1/4² = 1,4236
S5 = 1/1² + 1/2² + 1/3² + 1/4² + 1/5² = 1,4636
...
S1000 = 1/1² + 1/2² + 1/3² + 1/4² + 1/5² + ... + 1/1000² = 1,6439
  
   Na verdade o limite da série não é exatamente 1,645 e sim π²/6, e isso é muito legal. O número pi é definido a partir de uma propriedade intrínseca à circunferência, e é realmente impressionante que ele se meta na soma dos quadrados dos números inteiros. Para uma bonita prova deste fato, sem Cálculo, veja essa página da Wikipédia:

4. A probabilidade de que dois números escolhidos ao acaso sejam primos entre si é 6/π²

Diz-se que dois números são primos entre si se não têm nenhum divisor em comum. 64 e 35, por exemplo, são primos entre si, mas 64 e 36 não, pois são ambos divisíveis por 2. Aliás, é claro que dois números pares não podem ser primos entre si.
   Pois bem: escolhendo dois números aleatoriamente, a probabilidade de que eles não tenham nenhum divisor em comum é aproximadamente 60,8 % e precisamente 6/π².
Uma prova heurística disso você encontra aqui

3. Jogando um milhão de moedas, a probabilidade de que metade delas saia coroa é 1/(1000π)

No lançamento de n moedas, a probabilidade de que haja um número igual de caras e coroas é C2n,2/2n. (Não te dá saudades das aulas de Análise Combinatória?). Pode-se mostrar, ou melhor, os mestres podem mostrar, que para n muito grande este número tende a 1/(nπ).

2. Jogar palitinhos em papel listrado é um método para calcular π



    Este método recebe o nome de Agulha de Buffon. Tome um tabuleiro com várias listras paralelas e alguns palitinhos de comprimento igual à metade da distância entre duas linhas consecutivas do papel. A experiência é muito simples: jogue os palitinhos e conte quantos deles tocaram ou cruzaram alguma das linhas. Faça isso zilhões de vezes e depois divida o número de palitinhos lançados pelo número de palitinhos que acertaram alguma das linhas. O resultado é uma aproximação do número pi. Se você tem 10 palitinhos, só teve paciência para repetir os lançamentos 22 vezes e contou que houve 70 cruzamentos, sua aproximação para pi é 220/70 = 3,142.



    Eu resisti à tentação de colocar aqui as provas dos fatos anteriores, mas dessa vez eu preciso escrever mais sobre isso. Digo mais uma vez: você encontra pi quando divide o perímetro de uma circunferência pelo seu diâmetro. Mas onde está a circunferência nessa experiência com palitinhos???
   A posição de um palitinho em relação às linhas do tabuleiro pode ser descrita por duas variáveis: d, a distância do seu centro até a linha mais próxima e θ, o ângulo que ele faz com a horizontal. O palitinho da figura abaixo caiu bem no meio da lacuna entre duas linhas e na direção uma-hora-e-meia. Então nós descrevemos sua posição por d = l/2 e θ = 45º.
    A cada posição possível do palitinho corresponde um ponto no gráfico da direita. O nosso palitinho corresponde ao pontinho verde na figura (aliás, você sabe o que é um pontinho verde no poleiro?... deixa pra lá). A relação entre d e θ para que um palitinho cruze uma das retas é

(l/2) sen θ ≥ d

Isso corresponde aos pontos pintados de vermelho no nosso gráfico. A probabilidade de que um palito cruze uma reta é a chance de que um ponto do gráfico escolhido ao acaso esteja entre os pontos vermelhos (veja que para o nosso palito isto não acontece e o ponto verde não está no meio dos vermelhos). Essa chance é a razão entre a área vermelha do gráfico e a área do retângulo de base 180º e altura l/2. Com um pouco de Cálculo mostra-se que essa razão vale 1/π.
   Note que o pi surge devido ao aparecimento da função seno, que é definida a partir da circunferência. Perceba também que este é um método probabilístico, no sentido de que o número pi não aparece diretamente, mas apenas numa probabilidade. Teve um senhor que disse ter jogado 3550 palitinhos e obtido 1130 cruzamentos, obtendo a melhor aproximação possível com números pequenos. Ninguém acreditou nele, pela mesma maneira que dificilmente alguém acreditaria se você dissesse que em 3550 lançamentos de moedas obteve 1775, exatamente metade, de coroas.

1. Você obteria π numa experiência com bolas de bilhar

E esse é um método determinístico para o cálculo do pi, isto é, sua expansão decimal aparece forçosamente.
    Tome um plano perfeitamente liso e duas bolas de bilhar perfeitamente iguais, esféricas e homogêneas. OK, você nunca conseguiria arranjar esse material, e essa é a desvantagem do método :-). De fato, para que a experiência funcionasse, não poderia haver nenhuma perda de energia ou momento durante as colisões das esferas entre si ou com a borda do plano. Isso nem existe no mundo real...
    Mas enfim. Se você bate em uma das bolas para que ela colida com a outra, haverá três colisões ao todo: uma primeira colisão entre as bolas, uma segunda entre a bola e a borda da mesa e uma terceira entre as bolas novamente. Depois disso a bola em que você bateu vai se afastar da outra para sempre.


    Agora tome uma bola de bilhar com massa 100 vezes maior que a da outra. Haverá 31 colisões ao todo. Já notou o padrão? Se a razão entre as massas das bolas fosse de 10000, o número de colisões seria 314, e assim por diante, a cada multiplicação de 100 na razão entre as massas aparecendo mais um dígito de pi.
   Este fato é tão curioso que poucos são merecedores de desvendá-lo. Não vou indicar nenhuma referência, a menos que me peçam por meio dos comentários.
   

quarta-feira, 14 de março de 2012

Feliz dia do pi! E: Alguns fatos incríveis sobre o número pi


E eis que a comunidade geek celebra emocionada mais um dia do Pi, ciente de que π = 3,1415926535... é um número tão especial que merece um dia em sua homenagem. Um dia em que as pessoas ousadamente reconhecem em público que essa constante torna suas vidas mais belas e se abraçam fraternamente antecipando aqueles tempos áureos em que todos os homens serão livres para amar pi e cantar suas virtudes pelas ruas.

   Apresento a seguir os meus 10 fatos preferidos sobre o número pi, depois de uma pequena introdução para lembrar você o significado deste número.

    E o que é pi mesmo?
  É fácil entender que o perímetro de um quadrado - qualquer quadrado - é sempre igual a quatro vezes o seu lado. De modo semelhante, o perímetro de um círculo (C) é sempre igual a 3,14 vezes o seu diâmetro (d). Na verdade isso está impreciso, pois a razão C/d é um número irracional com infinitos algarismos depois da vírgula, sendo que não existe nenhum padrão para prevê-los. Por isso é que convencionaram chamar este número, que é aproximadamente igual a 3,141592653589793238462643... de π, que é a primeira letra da palavra grega que significa perímetro, ou alguma coisa do tipo.

Preste atenção na animação abaixo, que foi roubada da Wikipedia porque eu estou sem tempo de fazer as minhas próprias:


Assim, o número pi está indissociavelmente ligado à natureza do círculo. Foi quando estavam trabalhando com áreas e perímetros de terrenos que nossos ancestrais se depararam com ele. Não é de estranhar, portanto, que o pi apareça num problema de geometria. O mais impressionante é que ele surja em lugares que nada têm a ver com círculos, como numa experiência com palitinhos, conforme você verá se continuar lendo este texto.

Cinco Fatos sobre pi - Pequenas porções de cultura inútil
10. O Beto nasceu no dia do pi

    O dia 14 de março, 3/14 na notação americana, é o dia do Pi desde 1988, quando funcionários do museu Exploratorium de São Francisco marcharam em círculos comendo tortas redondas e fizeram outras loucuras para celebrar a redondeza do círculo. O auge da alegria teria acontecido a 1:59 da tarde, pois π = 3,14159 quando arredondado até a quinta casa decimal.
     Os comemorandos ficaram gratos quando descobriram que um dos maiores físicos da história, aquele que é conhecido popularmente como O ícone da inteligência, nascera neste dia: Alberto Einstein, formulador da Teoria da Relatividade, veio ao mundo para confundir os sábios em 14 de março de 1879.

Beto, ou Albert Einstein para os menos íntimos, veio ao mundo
no dia que seria escolhido o Dia do Pi dali a 109 anos.

9. π² ∙ 1m/s² ≈ g

   O quadrado de pi é aproximadamente igual à aceleração da gravidade em metros por segundo ao quadrado, e isto não é uma coincidência. 
   Ocorre que em 1668 John Wilkins definiu o metro como o comprimento do pêndulo cujo semiperíodo é 1 segundo. O período de um pêndulo de comprimento L é aproximadamentT = 2π(L/g)1/2. Para T = 2 segundos e L = 1 metro temos g = π². Essa fórmula para o período é apenas aproximada, e talvez por isso a definição de Wilkins não tenha vingado. Depois foi sugerido que o metro fosse uma parte em 107 da distância do Pólo Norte ao Equador via Paris, estragando toda a poesia da coisa.

8. Há quem encontre um prazer transcendental memorizando os dígitos de pi

   Existe até um campeonato mundial de recitação de pi. O recorde atual pertence a Chao Lu, da China, que memorizou 67.890 dígitos (!) e passou 24 horas e 4 minutos recitando os números para uma plateia extasiada. Ou talvez não tão extasiada assim.

Chu Lao, o chinês que, na falta de mais o que fazer,
decora dezenas de milhares de casas decimais de pi.
   O fato de o Brasil não estar representado entre os 236 melhores é coisa que enche o meu coração de pesar. Temos uma grave deficiência de produção de nerds. Cadê o Planalto que não vê isso?
   Eu até poderia, por amor ao meu País, derrotar o 236º lugar da lista, que decorou apenas 20 algarismos. Acontece que é uma meninha de seis anos e eu tenho escrúpulos demais para competir com uma fofura daquelas.

Sarianna Kuuttila, a mais jovem memorizadora de pi,
diante de quem meus instintos patrióticos desvanecem.
A lista completa de memorizadores de pi você encontra em http://www.pi-world-ranking-list.com/

7. Há quem encontre um prazer transcendental criando técnicas para memorizar os dígitos de pi

   A pifilologia é a nobre ciência que busca desenvolver técnicas para a memorização da expansão decimal de pi. Um dos métodos é a criação de piemas, poemas que representam pi de maneira que o número de letras de cada palavra representa um dígito. O meu piema preferido é este:


que nos dá a aproximação π = 3,14159265358.
   Há pessoas que dedicam suas vidas, como se elas não fossem curtas o bastante, à criação de piemas. O Cadaeic Cadenza é uma estória escrita em 1996 por Mike Keith que fornece os 3835 primeiros dígitos de pi desta maneira. As primeiras linhas são:

   Poe, E.
   Near a Raven
  
   Midnights so dreary
   Tired and Weary,
   Silently pondering volumes extolling all by-now obsolete lore.
   During my rather long nap - the weirdest tap!
   An ominous vibrating sound disturbing my chamber's antedoor.
   "This", I whispered quietly, "I ignore". 

   Será que alguém aí estaria interessado em me ajudar a verter o salmo 119 num piema? Eu já comecei o trabalho, mas ainda está em fase bem inicial:



6. Dizem que a Bíblia fala que pi = 3, mas talvez não seja bem assim

Em 1 Reis 7 lemos que Hirão, homem cheio de sabedoria e de entendimento para fazer toda obra de bronze, construiu uma bacia enorme para ser usada na lavagem de mãos e pés dos sacerdotes, no templo de Salomão. Segundo o verso 23 este “mar de fundição”, como era chamado, era redondo e media dez côvados de uma borda a outra, e um fio de trinta côvados era a medida da sua circunferência. Então a razão entre a circunferência e o diâmetro do reservatório seria 30/10 = 3. Estaria Deus dizendo que, ao contrário do que supõe nossa vã aritmética, o valor de pi é exatamente 3? No lo creo. Uma pesquisa na Internet permite encontrar algumas alternativas para a questão. Escolha a sua:

  1 - Embora a palavra côvado apareça várias vezes na Bíblia, não há referências a frações de côvados, e assim o que hoje nós mediríamos como 31,4 côvados seria aferido naqueles tempos como o múltiplo mais próximo de um côvado, isto é, 30 côvados. Era uma época pré-científica e arredondar números para fins práticos era algo perfeitamente comum. Uma precisão de mais três casas decimais não teria a menor relevância para os rituais de higiene dos sacerdotes.

   2 - O versículo 26 diz que o reservatório tinha uma borda, “como borda de copo, como flor de lírios”, o que sugere uma curvatura como a das pétalas da flor. As medidas teriam sido feitas em alturas diferentes da bacia, como mostra a figura:

Como poderia ser o mar de fundição de Hirão.
Da página http://creation.com/does-the-bible-say-pi-equals-3


   3 - O texto original em hebraico conteria um código visível apenas para experts. Enquanto a palavra para medição de comprimento usada geralmente seja קו, o termo que aparece em 1Rs 7.23 é קוה. Ora, as letras hebraicas têm valores numéricos; o valor de קו é 100+6 = 106 e o valor de קוה é 100+6+5 = 111; Dividindo 111 por 106 e multiplicando o resultado por 3, que é o valor que os leigos enxergariam, temos 3,141509..., uma aproximação excelente. :-|

   Até mais
Muito bem. Estes foram os cinco primeiros fatos sobre pi que eu gostaria de compartilhar neste dia especial. Foram curiosidades, digamos, culturais. No próximo post vêm mais cinco fatos, desta vez mais científicos. Eu vou ensinar a calcular pi usando palitinhos e bolas de sinuca, dentre outras gordices. Até lá.


sábado, 11 de fevereiro de 2012

Abelhas sabem Cálculo Diferencial

Se a Geometria é o estudo das formas e a Álgebra é o estudo das propriedades dos números aplicado à solução de equações, o Cálculo Diferencial e Integral é a parte da matemática que lida com variações. Qualquer situação em que uma ou mais grandezas estejam mudando pode ser analisada com os recursos do Cálculo.

    Uma das inúmeras aplicações do Cálculo é a descoberta de máximos ou mínimos de funções. Suponha que você seja dono de uma fábrica de refrigerante de seriguela e queira fabricar latas de 350 mL. Existem inúmeros tamanhos diferentes que você pode usar. Por exemplo, você pode fazer as latas com 12 cm de altura e 6,1 cm de diâmetro. Mas se você for uma pessoa econômica não vai querer isso! É melhor fazer uma lata com 10 cm de altura e 6,7 cm de diâmetro, pois assim você estará gastando 3% a menos de alumínio. Entre todas as latas de 350 mL, qual a mais econômica? Essa será uma pergunta muito importante para você e suas seriguelas e pode ser resolvida pelo Cálculo. Descobre-se que a lata mais econômica é aquela cuja altura é igual ao diâmetro (no nosso caso, 7,6 cm de altura)*.

    As abelhas também usam conhecimentos de Matemática para construir suas colmeias: elas desejam depositar o mel que fabricam em alvéolos de cera que tenham a forma mais econômica possível, isto é, que apresentem o maior volume para a menor porção de material empregado.

    Para haver economia de material, é necessário que a parede de um alvéolo sirva também ao alvéolo vizinho. Logo, o alvéolo não pode ter forma cilíndrica, pois se fosse assim cada parede só serviria a um alvéolo. Na verdade os alvéolos devem ter forma de prismas.

    Só há três prismas regulares que podem ser justapostos sem deixar interstício: o triangular, o quadrangular e o hexagonal. É assim porque os únicos polígonos com os quais se pode pavimentar um plano sem deixar espaços vazios e sem que haja intersecções são o triângulo eqüilátero, o quadrado e o hexágono regular. Com pentágonos regulares, por exemplo, não é possível formar um mosaico.


    As abelhas escolheram usar prismas hexagonais. Você sabe por quê? Porque dos três prismas regulares construídos com porção igual de cera, o prisma hexagonal é o que apresenta maior volume.


    Os espertos himenópteros ainda precisam decidir qual a maneira mais econômica de fechar os alvéolos. A forma adotada é a seguinte: o fundo de cada alvéolo é constituído de três losangos iguais e também serve como fundo para outros alvéolos, pois a colmeia é arranjada em favos com duas fileiras de alvéolos. 



    O volume dos alvéolos depende da forma dos losangos usados para fechá-lo. O primeiro a se interessar por essa forma parece ter sido o astrônomo italiano Jean-Dominique Maraldi (1709-1788). Ele determinou experimentalmente, com absoluta precisão, os ângulos desses losangos e achou 109°28’ para o ângulo obtuso e 70°32’ para o ângulo agudo.

    Em 1739, o físico René-Antoine Ferchault de Réamur (1683-1757), supondo que as abelhas eram guiadas, na construção dos alvéolos, por um princípio de economia, propôs ao geômetra alemão Johann Samuel König (1712-1757) o seguinte problema:

Entre todas as células hexagonais com o fundo formado por três losangos, determinar a que seja construída com a maior economia de material.

    König, que não conhecia os resultados obtidos por Maraldi, achou que os ângulos do losango do alvéolo matematicamente mais econômico deviam ser 109°26’ para o ângulo obtuso e 70°34’ para o ângulo agudo.

    A concordância entre as medidas feitas por Maraldi e os resultados calculados por König era espantosa. As abelhas cometiam, na construção dos seus alvéolos, um erro de míseros 2’ no ângulo do losango de fechamento! Entre o alvéolo construído pelos insetos alados e o alvéolo “matematicamente correto” havia uma diferença extremamente pequena!**

    Alguns anos depois, em 1743, geômetra escocês Colin MacLaurin (1698-1746) retomou o problema. Imagine o que ele descobriu. Que havia um erro nos cálculos de Koenig e que o resultado real era precisamente os valores dos ângulos dados por Maraldi - 109°28’ e 70°32’. Os sábios da Ciência haviam errado. As abelhas é que tinham razão!

    Está demonstrado, portanto, que as abelhas devem ter bons conhecimentos de Geometria e Cálculo. Eu reproduzi as contas que elas devem fazer para construir suas colméias e avalio que seja um problema digno do primeiro ano numa faculdade de Exatas. Queira dar uma olhada dos meus cálculos (clique com o botão direito e selecione 'Abrir link em nova aba' para visualizar a figura inteira).




    A questão é óbvia, mas eu não posso deixar de fazê-la. Como as abelhas sabem a forma precisa que devem ter os alvéolos da sua colméia para que seja gasta a menor quantidade de material possível? A economia é tanta que basta um quilograma de cera para armazenar oito quilogramas de mel! Quem ensinou princípios de Modelagem Matemática a esses insetos?

    Sei que cresce bastante o número de cristãos que rejeita uma interpretação mais literal da Bíblia para abraçar o evolucionismo. Mas como a Evolução explicaria isso? [E é realmente uma pergunta, ficarei feliz em ouvir uma resposta. Admito que sei muito pouco sobre a Teoria da Evolução.] Será que ao longo de bilhões de anos surgiram inúmeras espécies de abelhas e a Seleção Natural se encarregou de eliminar todas aquelas que não projetavam os alvéolos de suas colméias com losangos de 109°28’ e 70°32’? Se o conhecimento for adquirido por meio de tentativa e erro, como a informação passa de uma geração a outra? 

    Agora me vem à mente aquela passagem da Bíblia em que um dos amigos de Jó, Eliú,  diz:

Por causa das muitas opressões os homens clamam por causa do braço dos grandes.
Porém ninguém diz: Onde está Deus que me criou, que dá salmos durante a noite;
Que nos ensina mais do que aos animais da terra e nos faz mais sábios do que as aves do céus? 
Jó 35.9-11

    Parafraseio Eliú e me pergunto como é possível que muitas pessoas não se questionem onde está Deus que as criou, e que faz abelhas mais sábias do que matemáticos da burguesia alemã.


* Se a lata mais econômica é aquela que tem o diâmetro igual à altura, por que as latas de refrigerante geralmente não têm esse formato? Eu não sei, mas devem haver outras coisas a ser levadas em conta.
** Para ter uma ideia de quão pequeno é um ângulo de 2' (dois minutos), imagine que uma formiga de 0,6 mm de altura ergue uma das extremidades de uma régua de 1 metro de comprimento. O ângulo que a outra extremidade faz com o chão mede aproximadamente dois minutos.


Fontes:
Matemática Divertida e Curiosa, de Malba Tahan;
A Geometria das Abelhas, monografia de Dominique Miranda Martins (UFMG);
Modelagem Matemática, de Rodney Carlos Bassanezi.



quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Harry Potter e a Bíblia – uma opinião dissidente

 

    É impressionante o número de sites evangélicos que pregam que a série de livros do bruxo Harry Potter são mais uma das multiformes estratégias de Satanás para seduzir os corações dos jovens e levá-los a práticas de feitiçaria e outras abominações. Neste blog você encontrará uma opinião contrária e poderá exercitar o costume honesto, inteligente e -  por que não dizer – cristão de sempre ouvir mais de uma opinião antes de solidificar a sua.
    As acusações a Harry Potter são tantas que fica até difícil coordenar a argumentação. Por isso este texto está escrito em forma de perguntas e respostas. Não é meu estilo de escrita favorito, mas me ajuda a organizar as ideias. Além disso, você poderá ler apenas as perguntas que lhe interessarem.

Por que você resolveu defender os livros do Harry Potter no seu blog?
Primeiro, porque as acusações feitas contra eles são injustas e o meu coração não se alegra com a injustiça ;-). A obra de J. K. Rowling é uma estória de coragem, amizade e lealdade que dificilmente escorrega para a pieguice. É um tanto triste ver que tanta gente rejeita a saga por simples preconceito. Segundo, porque eu adquiri o ótimo hábito da leitura depois de ter lido os sete livros da coleção. Meus pais são bons apreciadores de literatura universal e a motivação deles despertava a minha curiosidade por bons livros. Mas concentração nunca foi exatamente o meu forte, e eu perdia o interesse depois que tinha que passar duas ou três vezes por uma página para absorver o seu conteúdo. Os sete livros do Harry Potter são tão envolventes que até para um iniciante a leitura é bastante agradável. Com certeza eu não estaria lendo Os Miseráveis agora se não tivesse lido a saga do bruxo há alguns anos.

Li uma declaração medonha da escritora J. K. Rowling e, desde então, não quero nem ouvir falar nesses livros satânicos.
Pois talvez você esteja sendo crédulo demais. A declaração a que você se refere deve ser a seguinte:

Eu acho que é absolutamente vergonhoso protestar contra livros infantis e alegar que eles estão ludibriando e levando as crianças para Satanás. As pessoas deveriam ser gratas a isso! Estes livros levam as crianças a entender que o fraco e idiota Filho de Deus não passa de uma brincadeira vivente e que será humilhado quando a chuva de fogo realmente começar a cair, enquanto nós, os servos fiéis do Senhor das Trevas vamos rir e celebrar nossa vitória”.

Qualquer pessoa com um pouco mais de senso crítico desconfiaria que J. K. Rowling nunca disse isso. Uma coisa é certa: é vergonhoso que cristãos espalhem isso em seus sites sem sequer checar a fonte. A suposta declaração de Rowling foi divulgada no site de humor The Onion, que publica matérias absurdas como se fossem verídicas[1]. Como sempre acontece, há pessoas ingênuas o bastante para acreditar e sair divulgando sem nenhuma reserva.

Os livros do Harry Potter são cheios de bruxos, fantasmas, centauros e outros seres demoníacos.
A escritora fez um formidável trabalho de pesquisa para usar elementos de diversas mitologias (grega, celta, escandinava, etc.) para criar uma ficção. Não há nada de errado nisso. C. S. Lewis fez o mesmo para criar As Crônicas de Nárnia, cada uma das quais enfocando uma qualidade de Jesus Cristo (aliás, Lewis é um dos autores em quem Rowling se inspirou...). Monteiro Lobato fez algo parecido para criar o Sítio do Picapau Amarelo: usou elementos do folclore brasileiro para criar estorinhas infantis. Se você diz que um centauro é um demônio, deveria tratar com igual austeridade o Saci-pererê, pois ambos são personagens folclóricos – este, da tradição brasileira e aquele, da tradição europeia.

Mas Harry Potter é um bruxo, e a Bíblia condena a prática da feitiçaria.
Está claro que Harry Potter não é um feiticeiro como os da Bíblia. Harry Potter usa uma vassoura para voar e uma varinha para transformar botões em besouros. Onde é que isso está na Bíblia? Os feiticeiros dos tempos bíblicos sacrificavam animais a ídolos e consultavam cadáveres para prever o futuro. Cadê a similaridade? Se você encontrar nos livros do Harry Potter alguém participando de orgias rituais ou na Bíblia alguém com um hipogrifo de estimação, aí será outra coisa...

Mas tudo nos livros cheira a paganismo. Os personagens são todos pagãos.
Pois é, e você também seria se tivesse nascido na Inglaterra do século VIII (mas Deus, na sua graça, fez com que você nascesse no Ocidente do século XX, e é por isso que você já ouviu falar de Jesus Cristo). Os livros do Harry Potter têm elementos de culturas pré-cristãs, que ainda não conheciam a Cristo, mas nas quais Deus também se manifestou (se eu não me engano, é o que os teólogos chamariam de Revelação Geral). Os anglo-saxões pregavam o altruísmo e a caridade. Isso é coisa do diabo? Não! Isso é coisa de Deus! Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das Luzes! Seria inteligente rejeitarmos qualquer traço de uma cultura só porque ela não teve acesso à Bíblia?

Meu filho leu um dos livros e disse que queria ser bruxo. Tive que proibi-lo de ler os outros.
Seu filho precisa de acompanhamento psicológico. Se ele tem mais de onze anos e não consegue distinguir ficção de realidade, talvez ele tenha problemas. Proibi-lo de ler não vai adiantar; você só o estará privando de descobrir o prazer da leitura. Leve-o com a um pediatra.

Harry Potter é irado e vingativo. Meu filho não vai aprender essas coisas com ele?
É muito mais provável que ele aprenda a ser irado e vingativo com você. Realmente, Harry não é santo. Às vezes mente e desrespeita regras (sempre com a melhor das intenções, mas enfim...). Certamente você ensina a seu filho que essas coisas são erradas. Se ele seguir o exemplo de um personagem de ficção em vez do seu, você é um péssimo educador e deveria ser denunciado ao Conselho Tutelar. Embora não seja exatamente infalível, Harry Potter tem uma integridade inabalável. Ele não se deslumbra nem se deixa seduzir pela fama ou pelo poder e não julga os outros por sua aparência ou status (numa metáfora do mundo real, há criaturas consideradas inferiores só porque mais feias). Se o seu filho aprender estas virtudes em casa e reconhecê-las numa estória de ficção, isso será para ele uma ótima experiência!

Não sei... ainda fico meio desconfiado com essa estória de “bruxos do bem”...
Agora vou tocar em um ponto realmente importante. No livro Pensando Biblicamente, o pastor John MacArthur dedica um capítulo à cultura literária e artística. Ele enumera algumas questões úteis para abordar os produtos culturais a partir de uma perspectiva bíblica. Transcrevo abaixo uma dessas questões:
Qual é a postura moral aparente do trabalho em questão? O bem está representado como bem, e o mal como mal? Essas categorias estão difusas, mescladas, ou até mesmo, invertidas? O homem está representado como bom, mau ou nenhum dos dois?”
Nesse ponto os livros do Harry Potter não poderiam se sair melhor. É muito clara a separação entre o lado do Bem e o lado do Mal. Sim, são “bruxos do bem” e “bruxos do mal”, mas e daí? Seria a mesma coisa se, numa ficção científica, houvesse o lado dos “ETs do mal” e o dos “ETs do bem”, ou, numa fábula, o lado dos “coelhinhos do mal” e o dos “coelhinhos do bem”. O que importa aqui é a distinção clara entre o caráter e a falta dele, e isso é muito evidente na obra de Rowling. Veja, por exemplo, o que diz o antagonista, Lord Voldemort:
Não existem Bem e Mal. Existe apenas o Poder, e os que são muito fracos para conquistá-lo”.
Quer dizer, o grande vilão da estória é um niilista. Repare bem nisto: a falta de distinção entre Bem e Mal é precisamente o que os livros condenam como a mais execrável das ideias, digna do ser que se intitula Lorde das Trevas.

Mas não seria melhor educar o meu filho apenas com livros que o fizessem pensar em Jesus?
Você é quem sabe, mas eu tenho uma surpresa. [Cuidado! A seguir, minha opinião mais polêmica] Você pode usar os livros de Harry Potter para falar de Cristo. Meus amigos conhecem minha teoria de que os grandes heróis, os heróis de verdade, são meras imitações do Maior de todos os heróis, Nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo. No final da estória, Harry Potter descobre que só há uma maneira de derrotar o Lorde das Trevas: entregando-se para morrer por aqueles a quem ama[2]. O cristianismo ensinou ao mundo que a maior demonstração de amor possível envolve necessariamente o sacrifício. Grandes escritores compraram essa ideia e para compor seus heróis se inspiraram no Único e Verdadeiro Herói, Aquele que se sacrificou por nós, quando ainda nem éramos seus amigos. 
[1] É muito fácil checar isso. Veja, por exemplo, a página sobre boatos de Internet http://www.truthorfiction.com/rumors/h/harrypotter.htm. O site do The Onion é http://www.theonion.com/.
[2] J. K. Rowling disse que realmente usou também elementos cristãos em seus livros, inclusive com citações bíblicas.  Recomendo o texto da página
http://conteudo.potterish.com/a-autora-de-%E2%80%98harry-potter%E2%80%99-jk-rowling-fala-sobre-a-imagem-crista-do-livro/.