quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Harry Potter e a Bíblia – uma opinião dissidente

 

    É impressionante o número de sites evangélicos que pregam que a série de livros do bruxo Harry Potter são mais uma das multiformes estratégias de Satanás para seduzir os corações dos jovens e levá-los a práticas de feitiçaria e outras abominações. Neste blog você encontrará uma opinião contrária e poderá exercitar o costume honesto, inteligente e -  por que não dizer – cristão de sempre ouvir mais de uma opinião antes de solidificar a sua.
    As acusações a Harry Potter são tantas que fica até difícil coordenar a argumentação. Por isso este texto está escrito em forma de perguntas e respostas. Não é meu estilo de escrita favorito, mas me ajuda a organizar as ideias. Além disso, você poderá ler apenas as perguntas que lhe interessarem.

Por que você resolveu defender os livros do Harry Potter no seu blog?
Primeiro, porque as acusações feitas contra eles são injustas e o meu coração não se alegra com a injustiça ;-). A obra de J. K. Rowling é uma estória de coragem, amizade e lealdade que dificilmente escorrega para a pieguice. É um tanto triste ver que tanta gente rejeita a saga por simples preconceito. Segundo, porque eu adquiri o ótimo hábito da leitura depois de ter lido os sete livros da coleção. Meus pais são bons apreciadores de literatura universal e a motivação deles despertava a minha curiosidade por bons livros. Mas concentração nunca foi exatamente o meu forte, e eu perdia o interesse depois que tinha que passar duas ou três vezes por uma página para absorver o seu conteúdo. Os sete livros do Harry Potter são tão envolventes que até para um iniciante a leitura é bastante agradável. Com certeza eu não estaria lendo Os Miseráveis agora se não tivesse lido a saga do bruxo há alguns anos.

Li uma declaração medonha da escritora J. K. Rowling e, desde então, não quero nem ouvir falar nesses livros satânicos.
Pois talvez você esteja sendo crédulo demais. A declaração a que você se refere deve ser a seguinte:

Eu acho que é absolutamente vergonhoso protestar contra livros infantis e alegar que eles estão ludibriando e levando as crianças para Satanás. As pessoas deveriam ser gratas a isso! Estes livros levam as crianças a entender que o fraco e idiota Filho de Deus não passa de uma brincadeira vivente e que será humilhado quando a chuva de fogo realmente começar a cair, enquanto nós, os servos fiéis do Senhor das Trevas vamos rir e celebrar nossa vitória”.

Qualquer pessoa com um pouco mais de senso crítico desconfiaria que J. K. Rowling nunca disse isso. Uma coisa é certa: é vergonhoso que cristãos espalhem isso em seus sites sem sequer checar a fonte. A suposta declaração de Rowling foi divulgada no site de humor The Onion, que publica matérias absurdas como se fossem verídicas[1]. Como sempre acontece, há pessoas ingênuas o bastante para acreditar e sair divulgando sem nenhuma reserva.

Os livros do Harry Potter são cheios de bruxos, fantasmas, centauros e outros seres demoníacos.
A escritora fez um formidável trabalho de pesquisa para usar elementos de diversas mitologias (grega, celta, escandinava, etc.) para criar uma ficção. Não há nada de errado nisso. C. S. Lewis fez o mesmo para criar As Crônicas de Nárnia, cada uma das quais enfocando uma qualidade de Jesus Cristo (aliás, Lewis é um dos autores em quem Rowling se inspirou...). Monteiro Lobato fez algo parecido para criar o Sítio do Picapau Amarelo: usou elementos do folclore brasileiro para criar estorinhas infantis. Se você diz que um centauro é um demônio, deveria tratar com igual austeridade o Saci-pererê, pois ambos são personagens folclóricos – este, da tradição brasileira e aquele, da tradição europeia.

Mas Harry Potter é um bruxo, e a Bíblia condena a prática da feitiçaria.
Está claro que Harry Potter não é um feiticeiro como os da Bíblia. Harry Potter usa uma vassoura para voar e uma varinha para transformar botões em besouros. Onde é que isso está na Bíblia? Os feiticeiros dos tempos bíblicos sacrificavam animais a ídolos e consultavam cadáveres para prever o futuro. Cadê a similaridade? Se você encontrar nos livros do Harry Potter alguém participando de orgias rituais ou na Bíblia alguém com um hipogrifo de estimação, aí será outra coisa...

Mas tudo nos livros cheira a paganismo. Os personagens são todos pagãos.
Pois é, e você também seria se tivesse nascido na Inglaterra do século VIII (mas Deus, na sua graça, fez com que você nascesse no Ocidente do século XX, e é por isso que você já ouviu falar de Jesus Cristo). Os livros do Harry Potter têm elementos de culturas pré-cristãs, que ainda não conheciam a Cristo, mas nas quais Deus também se manifestou (se eu não me engano, é o que os teólogos chamariam de Revelação Geral). Os anglo-saxões pregavam o altruísmo e a caridade. Isso é coisa do diabo? Não! Isso é coisa de Deus! Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das Luzes! Seria inteligente rejeitarmos qualquer traço de uma cultura só porque ela não teve acesso à Bíblia?

Meu filho leu um dos livros e disse que queria ser bruxo. Tive que proibi-lo de ler os outros.
Seu filho precisa de acompanhamento psicológico. Se ele tem mais de onze anos e não consegue distinguir ficção de realidade, talvez ele tenha problemas. Proibi-lo de ler não vai adiantar; você só o estará privando de descobrir o prazer da leitura. Leve-o com a um pediatra.

Harry Potter é irado e vingativo. Meu filho não vai aprender essas coisas com ele?
É muito mais provável que ele aprenda a ser irado e vingativo com você. Realmente, Harry não é santo. Às vezes mente e desrespeita regras (sempre com a melhor das intenções, mas enfim...). Certamente você ensina a seu filho que essas coisas são erradas. Se ele seguir o exemplo de um personagem de ficção em vez do seu, você é um péssimo educador e deveria ser denunciado ao Conselho Tutelar. Embora não seja exatamente infalível, Harry Potter tem uma integridade inabalável. Ele não se deslumbra nem se deixa seduzir pela fama ou pelo poder e não julga os outros por sua aparência ou status (numa metáfora do mundo real, há criaturas consideradas inferiores só porque mais feias). Se o seu filho aprender estas virtudes em casa e reconhecê-las numa estória de ficção, isso será para ele uma ótima experiência!

Não sei... ainda fico meio desconfiado com essa estória de “bruxos do bem”...
Agora vou tocar em um ponto realmente importante. No livro Pensando Biblicamente, o pastor John MacArthur dedica um capítulo à cultura literária e artística. Ele enumera algumas questões úteis para abordar os produtos culturais a partir de uma perspectiva bíblica. Transcrevo abaixo uma dessas questões:
Qual é a postura moral aparente do trabalho em questão? O bem está representado como bem, e o mal como mal? Essas categorias estão difusas, mescladas, ou até mesmo, invertidas? O homem está representado como bom, mau ou nenhum dos dois?”
Nesse ponto os livros do Harry Potter não poderiam se sair melhor. É muito clara a separação entre o lado do Bem e o lado do Mal. Sim, são “bruxos do bem” e “bruxos do mal”, mas e daí? Seria a mesma coisa se, numa ficção científica, houvesse o lado dos “ETs do mal” e o dos “ETs do bem”, ou, numa fábula, o lado dos “coelhinhos do mal” e o dos “coelhinhos do bem”. O que importa aqui é a distinção clara entre o caráter e a falta dele, e isso é muito evidente na obra de Rowling. Veja, por exemplo, o que diz o antagonista, Lord Voldemort:
Não existem Bem e Mal. Existe apenas o Poder, e os que são muito fracos para conquistá-lo”.
Quer dizer, o grande vilão da estória é um niilista. Repare bem nisto: a falta de distinção entre Bem e Mal é precisamente o que os livros condenam como a mais execrável das ideias, digna do ser que se intitula Lorde das Trevas.

Mas não seria melhor educar o meu filho apenas com livros que o fizessem pensar em Jesus?
Você é quem sabe, mas eu tenho uma surpresa. [Cuidado! A seguir, minha opinião mais polêmica] Você pode usar os livros de Harry Potter para falar de Cristo. Meus amigos conhecem minha teoria de que os grandes heróis, os heróis de verdade, são meras imitações do Maior de todos os heróis, Nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo. No final da estória, Harry Potter descobre que só há uma maneira de derrotar o Lorde das Trevas: entregando-se para morrer por aqueles a quem ama[2]. O cristianismo ensinou ao mundo que a maior demonstração de amor possível envolve necessariamente o sacrifício. Grandes escritores compraram essa ideia e para compor seus heróis se inspiraram no Único e Verdadeiro Herói, Aquele que se sacrificou por nós, quando ainda nem éramos seus amigos. 
[1] É muito fácil checar isso. Veja, por exemplo, a página sobre boatos de Internet http://www.truthorfiction.com/rumors/h/harrypotter.htm. O site do The Onion é http://www.theonion.com/.
[2] J. K. Rowling disse que realmente usou também elementos cristãos em seus livros, inclusive com citações bíblicas.  Recomendo o texto da página
http://conteudo.potterish.com/a-autora-de-%E2%80%98harry-potter%E2%80%99-jk-rowling-fala-sobre-a-imagem-crista-do-livro/.





15 comentários:

  1. Como também sou apreciador da série sou suspeito para comentar, mas devo dizer que algunspontos foram muito bem defendidos. É dificil dizer (kkkk) mas parabéns pelo post.

    Fabrício Nunes

    ps.: Mandei como anonimo por se mais facil comentar

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  2. Calebe agradeço sua presença em nosso blog, História com Cristo. Quero, assim como você, discordar de suas colocações, não totalmente, tendo em vista que em tudo podemos tirar proveito, mas discordarei de forma parcial naquilo em que a Bíblia condena. Discordo principalmente pela sua argumentação de que a feitiçaria praticada por Potter é diferente daquela tratada pela Bíblia. Faço isto com base na própria Palavra, pois o termo feitiçaria se refere não especificamente a ações como as realizadas pelos oráculos gregos, ou ainda mesopotâmicos. Feitiçaria refere-se a toda ação que tenha conotação mágica, como aquela pratica por Elimas descrita em Atos 13:8-12, ou ainda Simão (At 8:9). Diante disto já posso considerar seus argumentos em favor de Potter mais uma ação de alguém que gosta da série do que alguém que prese pelos princípios cristãos bíblicos. Ressalto ainda que toda criança e adolescente tem o direito de viver o lúdico, como lendas, papai noel, e até mesmo Harry Potter, todavia é dever dos pais e tutores educar seus filhos conscientes de que "tudo é licito, mas nem tudo convém" (1 Cor. 6:12), e orientá-los sobre o caminho certo a seguir (Prov. 22:6). Por fim não considere o todo pela parte, muitos cristãos que discordam de tais filmes ou seriados tem bastante conhecimento secular, inclusive sendo pos graduados nas mais diversas áreas de formação e, portanto dotado de muito senso crítico. Quando porém, você discordar de algo que a Bíblia condena procure fazê-lo com base na própria Bíblia, pois se assim não for soará apenas como a sua opinião de fã. Encerro citando o que a Bíblia nos diz sobre a feitiçaria: “Mas, quanto aos tímidos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos homicidas, e aos que se prostituem, e AOS FEITICEIROS, e aos idólatras e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre; o que é a segunda morte.” (Apocalipse 21:8).
    Posto isto, agradeço ao irmão pela visita e fico a inteira disposição para colaborar e compartilhar idéias com o irmão a respeito do Reino de Deus.
    Em Cristo, Jefferson Rodrigues.

    Visitem:http://historiacomcristo.blogspot.com/

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    1. Caro irmão Jefferson, agradeço a sua participação no meu blog. É sempre um prazer responder a um comentário!
      Salvo engano, eu também tenho senso crítico e minhas opiniões também se baseiam na minha formação acadêmica (estou me mestrando em Física). Penso que o senhor está enganado a meu respeito quando acha que eu não prezo pelos princípios bíblicos. Prezo sim, mas não acredito - reitero - que a magia dos livros de Harry Potter tenha qualquer coisa a ver com a feitiçaria que a Bíblia enfaticamente condena.
      Eu costumo encarar qualquer universo dos livros de ficção como mundos com uma física diferente da nossa. No universo de HP, por exemplo, a vontade das pessoas tem poder de influenciar o mundo natural. É claro que isto não acontece no mundo real, mas estaríamos pecando em pensar em como seriam as coisas se acontecesse? Estaríamos pecando em usar nossa imaginação para criar mundos onde há cavalos alados e pessoas ao morrer podem deixar uma recordação viva de si mesmas? Creio que não!
      Na Bíblia, que não fala de fantasias, e sim do mundo real, a feitiçaria era a tentativa de influenciar pessoas e eventos recorrendo a poderes sobre-humanos. Se alguém realmente conseguia fazer isso, era certamente através de poderes herdados de Satanás e seus anjos, como parece ter sido o caso de Simão. Se não conseguia, estava usando de charlatanismo para enganar as pessoas, como os servos do faraó ao tentarem reproduzir o milagre que Deus realizou por meio de Moisés. A Bíblia condena as duas ações, ou por idolatria ou por mentira. A literatura e a ficção não têm a ver nem com uma coisa nem com outra: tem a ver com a imaginação.
      Em Cristo, Calebe.

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  3. Posso interagir com o seu texto? Meus comentários, divididos pela ordem das perguntas:

    [1] Hum... e os livros do Tolkien? Na minha opinião, eles são tão bons quanto os do Harry Potter para este objetivo de adquirir o hábito da leitura.

    [2] Eu nem sabia desta "declaração", mas desta aqui. Em todo caso, você tem razão, as fontes devem sempre serem checadas.

    [3] Um pouco sobre isso, escrevi nos comentários deste artigo.

    [4] Aí discordo do seu argumento: entendo que a Bíblia condena sim a feitiçaria em si, uma condenação que independe da época ou das práticas de uma cultura ou região. Citando exemplos, ao meu ver tanto a bruxaria europeia quanto a africana, com práticas diferentes, estariam na mira desta condenação, e portanto, sendo rejeitadas por nós da mesma forma.

    Para esta quarta pergunta, eu tentaria usar ou trabalhar em cima do seguinte argumento: "Os livros apresentam um universo/mundo imaginário, semelhante ao nosso, mas ainda assim fictício. No contexto deste mundo imaginário, a luta do bem contra o mal se revela na existência de bruxos bons e maus. Sua preocupação com o estímulo à bruxaria é correta, mas o objetivo destas obras não seria esse."

    Ou seria? Este é um ponto que você tem que trabalhar/pensar sobre/refletir.

    [5] Já dizia Calvino que toda verdade é verdade de Deus, independente de onde ela apareça. Falei (ou tentei falar) sobre isso aqui.

    [6] Isso realmente é um problema: tanto o problema da criança que não fez a separação correta, mas também, e talvez, um problema da história que ensina à criança que seus problemas podem ser solutionados magicamente. Isso está longe do ensino bíblico, e é por isso que eu gosto mais da forma como Lewis e Tolkien tratam do tema "magia" em seus livros (e geralmente lá os bruxos e feiticeiros são mesmo personagens malignos).

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  4. Não tenho comentários sobre as outras questões, acho que foram bem respondidas. Agora os meus comentários:

    [a] Eu não me preocupo com crente que lê os livros da série Harry Potter. Eu me preocupo com crente que não lê a Bíblia. Porque crente que não lê a Bíblia não consegue seguir completamente a recomendação de 1 Ts. 5:21, dentre outros prejúizos de vida.

    [b] Eu não gosto de histórias com feiticeiros e bruxos. Em termos de HQ's, eu não costumo ler histórias focadas nisso. Obviamente que em grandes sagas ou grupos de super-heróis sempre tem/aparece algum Dr. Estranho, Feiticeira Escarlate ou coisa do tipo, mas como o meu foco é o grupo ou saga em si, e eu acabo "suportanto" sua presença.

    [c] O meu comentário no ponto [b] está bem longe de dizer que me considero um crente melhor que você. Não entenda assim. É só o que sempre digo: gosto é gosto, e vice versa. Aliás, digamos que além da condenação bíblica, o que para mim já é suficiente, eu não gosto do "arquétipo" em si de bruxo ou feiticeiro: acho que eles passam a mensagem errada. Acho que eles são um "escape ruim". E como falei, gosto mais da visão do Tolkien e do Lewis sobre isso. Isto posto, provavelmente nunca lerei estes livros, e provavelmente nunca sentirei falta em fazê-lo.

    [d] Falando em termos de "livros perigosos", existem por aí muitos piores que o Harry Potter, e que talvez já tenha influenciado muito a igreja. Eu não sei o seu posicionamento político, e se diferir do meu eu o respeito (sem problemas), mas penso que O Manifesto Comunista ou os livros de Nietzsche seriam muitíssimos mais "perigosos" que o "coitado" do Potter, sendo que inclusive já influenciaram negativamente a História humana (quantos não morreram sob o regime comunista por exemplo). Até mesmo A Revolta de Atlas de Ayn Rand, que li e aliás gostei, seria um livro "mais perigoso". A Igreja poderia abrir mais os olhos quanto a isso.

    [e] Recomendo muito a leitura deste meu post, e principalmente do texto que recomendei lá, que é este aqui (não deixe de ler!). Acho que te ajudaria muito.

    [f] Além disso, você conhece este texto?

    Abraços!

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  5. Muito obrigado por sua participação, Cristiano!
    Gosto muito quando você diz que não se preocupa quando um crente lê Harry Potter, e sim quando ele não lê a Bíblia. Acho que é esse mesmo o espírito da coisa. Crente nenhum deve se privar do prazer da leitura, e para descobri-lo uma boa opção são os livros de Potter. Tenho certeza de que a obra de Tolkien é literatura muito superior, mas não recomendaria para iniciantes, porque eu mesmo – confesso – ainda não tenho a paciência para encará-la.
    Confesso estar um tanto frustrado por não conseguir expressar o que para mim é muito claro com relação à “feitiçaria” da série do Potter. Já disse isso: o universo da série tem uma física diferente da do nosso universo. Nesta física, a natureza não se sujeita apenas a leis naturais, como a gravidade, mas também à vontade de humanos que têm o conhecimento necessário, e que a autora escolheu chamar de “bruxos” ou “feiticeiros” (e estou começando a achar que ela escolheu maus termos). A física do universo dos X-men também é assim: alguns heróis ocupam o mesmo espaço ao mesmo tempo que outras porções de matéria, e alguns heróis podem flutuar sobre corpos menos densos. Minha questão é: Por que cargas d’água a física estranha de X-men seria moralmente superior, ou criaria um ambiente para um universo moralmente superior, do que a física estranha de Harry Potter? Deus condena quando Dumbledore usa seus poderes de telecinésia, mas permite que o doutor Xavier use os seus? É isso mesmo, Cristiano?

    Parece que você tem más referências de feiticeiros. Eles são maus na obra de Tolkien e são maus na obra de Lewis. São muito maus na Bíblia, com a importante diferença de que esta trata do mundo real. J.K. Rowling criou um novo tipo de personagem, que difere bastante do arquétipo do feiticeiro tradicional, mas herdou dele o nome de “feiticeiro”. Os bruxos de Rowling podem escolher o lado do Bem. O quê exatamente ela fez de errado ao incluir essa possibilidade no universo que criou? O problema todo está na nomenclatura?

    Eu admito que gosto da série do Harry Potter e me ofendo quando você diz que a Bíblia condena a feitiçaria presente nela. Você está dizendo, mesmo sem querer, que eu tolero o que a Bíblia não admite. Mas eu volto à pergunta: por que a Bíblia condena quando Harry Potter move objetos ao erguer sua varinha, e não condenaria os seus personagens preferidos, que movem objetos sem erguer varinha nenhuma?

    Desejo muito ouvir sua resposta a este ponto específico e fico no aguardo.

    Abraço,
    Calebe.

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  6. Olá Calebe,

    A minha interação com o universo fantástico ou o mundo da imaginação é um exercício que pratico até hoje. Eu, particularmente, não tenho uma resposta definitiva para a questão, e procuro amadurecer este meu gosto literário com um discernimento bíblico, lendo sobre assunto, aprendendo com autores reconhecidos, a fim de me tornar um leitor maduro. Infelizmente, não consigo sempre trocar estas idéias com amigos com gostos similares, pois eu pouco os tenho, e admito que, pelo menos para mim, ser um "nerd protestante" é ser meio que um solitário: Deus sempre me ajudou, mas eu tenho que me virar, humanamente falando, sozinho. É por este motivo que fico feliz e agradeço a Deus por esta oportunidade de conversar com você, mesmo que eletronicamente, pois isso me ajuda a amadurecer/refletir sobre o meu pensamento, e também porque me identifico com a sua predileção pelo Harry Potter, apesar de eu mesmo não tê-la, nos seguintes termos: se você se torna alvo de condenação por gostar destes livros, eu também o sou por gostar de HQ's.

    Tenho irmãos que não entendem muito como eu posso perder o meu tempo com estas coisas, esta que é a verdade. Isso já não nos colocaria de certa no mesmo barco?

    Pessoalmente, gosto mais de ler histórias sci-fi do que de fantasia; tenho mais livros do primeiro assunto do que do segundo. Semelhantemente, no que se refere às HQ's, eu gosto mais das histórias/personagens com um, digamos, "background científico" - ok, ganhar poderes ao ser picado por uma aranha radioativa é ridículo, mas whatever, você entendeu - à despeito daqueles com temática "mística". De qualquer forma, não é por que uma história é sci-fi, ou uma HQ "científica", que ela não contenha filosofias ou ideias contrárias à Bíblia, e eu procuro interagir com estas histórias sabendo filtrar estas coisas sem deixar de me divertir ou aprender com elas.

    Existem várias coisas que eu não gosto, não concordo, que a Bíblia condena e que eu aprendi a tolerar. Por exemplo, eu tolero, ou aprendi a conviver com todos os meus colegas que não veem problema com o sexo antes do casamento: convivo com eles, respeito a liberdade deles, converso com eles, torço e trabalho para o sucesso deles, e também gosto da companhia deles. Contudo, se me perguntarem sobre isso, digo e explico sobre este pecado, chamando ao arrependimento. Pois o fato de eu tolerar não significa que eu ignoro. Nas histórias que leio procuro fazer de forma semelhante, porque elas também apresentam, ou podem apresentar, elementos que a Bíblia condena, dado que muitas delas vem de autores que não conhecem a Cristo como Seu Salvador, e portanto, é esperado que pensem diferente de mim. Mesmo assim, não deixo de aprender com eles. Podem torcer o rosto por eu dizer que leio e gosto de O Nome da Rosa ou A Revolta de Atlas, mas a verdade é que sempre procurei interagir com estes livros da forma como te expliquei. Isso não é uma forma de tolerância à ideias?

    Quando você manifestou o seu aborrecimento por eu ter dito sem querer que "tolera o que a Bíblia não admite", você quer dizer que eu teria dito sem querer que você não apenas tolera mas "aceita como certo algo que a Bíblia diz que é errado"? Eu não acho que você aceita a feitiçaria como algo correto; você deixou bem claro que o universo do Harry Potter é imaginário e acha que lá a mecânica das coisas é diferente do nosso, sendo que nem você admite a feitiçaria no mundo real. Só acho que você foi infeliz na sua resposta para a sua quarta pergunta, pois da forma que escreveu deu a entender que o fato do personagem fazer bruxaria com uma varinha, sendo que na Bíblia era feita de outra forma, o tornaria livre da condenação bíblica. Eu não concordo com esta lógica, e até exemplifiquei como na pergunta 4 você poderia utilizar de um outro argumento, o que poderia ser melhor em sua resposta.

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  7. Eu não entendi muito bem porque você disse que eu tenho "más referências de feiticeiros". Como certa vez ouvi uma acadêmica dizer, a feitiçaria "funciona" numa cosmovisão politeísta, onde alguém adquire um conhecimento especial, acionando uma "fonte" ou "estrutura" mais fundamental que os deuses, desta forma burlando ou escapando de suas determinações ou desejos através da manipulação da realidade ao seu redor. Entretanto, na nossa visão bíblica do universo de Deus, tal coisa é inconcebível, já que não existe uma fonte ou estrutura anterior ao próprio Deus que poderia ser acessada para manipular a realidade e o "divino", e pensar em tal coisa é uma grave ofensa. É admitir que existe um poder fora do controle de Deus, e isso é mentira e pecado. Até mesmo o Diabo não é um "poder independente de Deus", até ele está sob o seu controle, e não há como ser diferente. Mas tem gente em nosso mundo que, no final das contas, pensa e tenta praticar tal coisa até hoje.

    Você que é fã pode me corrigir, mas eu não acho que a autora pretendia fazer uma história em termos de apresentar "uma terra com uma física diferente da nossa". Eu acho simplesmente que ela imaginou o nosso mundo em um contexto fictício de bruxos bons e maus, apenas isso, assim como a Marvel imaginou o nosso mundo em um contexto de humanos e mutantes. O que acontece é que com o conceito de mutantes eu não tenho reservas, mas com a de bruxos, baseado no que expliquei no parágrafo anterior, eu tenho. Eu não tenho problemas em imaginar um mundo onde o meu corpo tenha capacidade suficiente para voar até os confins do espaço, ou um mundo onde cavalos tenham asas ou existam pequenos seres humanos de orelhas pontudas, mas no que se refere a "bruxos bons" eu me pergunto sim se não estou "borrando" alguns limites, e assim sendo, histórias deste tipo acabam não representando um escape bom para mim.

    Respondendo (ou tentando responder ao) seu questionamento em seu último parágrafo, eu diria que se eu tivesse o dom de nascimento (adquirido com a evolução da espécie) de mover objetos telecineticamente, disparar raios óticos, ler mentes e etc, da mesma forma como eu nasci com a capacidade de ver, ouvir ou falar, ou adquirisse a capacidade física de escalar paredes como uma aranha através de um modo natural/científico, ou adquirisse a capacidade de voar ou ter visão de raios-x porque mudei de planeta e meu corpo reage de forma diferente, ou mesmo se eu tivesse sido criado como uma espécie de ser ou raça especial por alguém Superior com uma determinada missão no mundo, isso seria uma coisa. Por outro lado, se eu buscasse um conhecimento especial, secreto, esotérico, que me permitiria por meio de palavras especiais manipular a realidade, isso seria outra coisa, algo cuja ideia não me agrada.

    É por este motivo que leio histórias do Superman, do Batman, do Homem-Aranha, dos X-Men, sou fã do Aragorn e do Legolas, mas particularmente não gosto do Dr. Estranho, Feiticeira Escarlate ou Zatanna e etc, "suportando" a presença deles nas histórias que leio (e olha que algumas são muito boas). Além disso, é por este motivo que não gostei do "papo místico" que o J. Michael Straczynski tentou introduzir nas histórias do Homem-Aranha, apesar de reconhecer a qualidade das histórias, e ter alguns volumes desta fase, sendo que as leio até hoje.

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  8. É também por este motivo que leio as histórias do Tolkien sem me preocupar com o mago Gandalf, pois sei que o poder que ele tem é 1. inato à sua natureza "angelical" dada a cosmologia do mundo tolkieniano e 2. seu maior dom na verdade é o de ser o sábio, aquele que orienta os que estão à sua volta, e os ajuda; se puder, recomendo que você compre o livro As Cartas de Tolkien, onde ele explica todo a sua mitologia. Os problemas que tenho com o universo tolkieniano são outros diferentes deste, e uma vez consegui discuti-los com um autor norte-americano, algo que me foi muito bom; de qualquer forma, se você vê o Harry Potter como eu vejo o Gandalf, ou o Superman e etc, aí diria que estamos mesmo empatados.

    Em todo caso, ainda acho que estamos no mesmo barco com nossos gostos, e me identifico com você. Talvez aconteça contigo o mesmo que comigo em relação ao Star Wars: gosto porque é muito legal, e ponto final. Mesmo me divertindo com a saga do George Lucas e não ignorando que os conceitos lá apresentados sobre "A Força" não batem com a Bíblia, penso que alguns podem não apreciar o fato de eu torcer pelo Luke Skywalker.

    Por favor, não pense que me acho em melhor "categoria" porque você gosta de Harry Potter e eu não. Recomendo que você leia os textos que te passei, e pense alguns dias sobre o assunto. Tenho certeza de que Deus irá trabalhar em sua vida por meio disso, da mesma forma como Ele tem trabalhado na minha. O meu objetivo com isso não era fazer você largar a sua preferência, mas amadurecê-la. De resto, tanto eu quanto você estamos sob as mão de Deus.

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  9. Também fico muito feliz em interagir com você! Tenho lido os textos que você me passou, e lhe reconheço como alguém com quem posso aprender muito. Fico feliz que estejamos no mesmo barco, porque você deve ser uma boa companhia em alto-mar :-)

    Entendo o seu desconforto com relação a personagens que buscam um tipo de conhecimento secreto para manipular a realidade. Ainda não tinha pensado que, por esse lado, eles são mesmo um tanto diferentes dos que já nascem com poderes especiais. Contudo, acho que nós dois concordamos que pouco importa se uma habilidade é inata ou adquirida; o que é realmente importante é o uso que se faz dessas habilidades. [Como diria Alvo Dumbledore: “São as nossas escolhas que revelam o que realmente somos, muito mais do que as nossas habilidades”]. Eu não julgaria mal a Menina-que-atravessa-paredes a menos que ela usasse o seu poder para roubar um banco. Da mesma forma, peço que não julguem mal Hermione Gringer porque ela conhece palavras mágicas que abrem fechaduras, a não ser que ela use essas palavras para roubar um banco. Pelo que conheço a Hermione ela não seria capaz disso, e eu não estou nem aí se ela é classificada como paranormal, bruxa, extraterrestre ou Pokémon.

    Na minha resposta à quarta pergunta, que você julgou infeliz, eu quis contrapor não apenas a forma como as supostas feitiçarias eram feitas, mas sobretudo o valor moral delas. É claro que existe uma grande distância ética entre voar num pedaço de pau e manipular cadáveres. É claro que também há uma enorme distância entre transformar botões em besouros e torturar animais oferecendo-lhes a demônios. Sinto muito não ter deixado isso mais claro no meu texto.

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  10. Uma coisa que me aborrece nas estórias de “ficção científica” é que elas geralmente não têm nada de científicas. O cara é capaz de se transformar num pedaço de chumbo, e ainda tentam esboçar uma explicação científica para isso. É ridículo! Eu ainda prefiro o universo mágico de Rowling, que é mágico e pronto. Ela ambientou sua estória na Terra, mas deixa claro que ela tem regras diferentes das que a gente imagina (é nesse sentido que eu digo que a Física do universo de HP é diferente, embora provavelmente Física seja a última coisa em que Rowling pensou enquanto escrevia a sua estória). A Marvel viola trezentas leis da Ciência em uma única página de gibi e tenta forçar uma explicação naturalista para isso. Pra mim é difícil agüentar uma coisa dessas! Mas é claro que se trata de gosto e nada mais.

    Entendo que o conceito da feitiçaria seja derivado de uma cosmovisão politeísta. Claro que isso se deve, como nós dois já dissemos, à influência das culturas pagãs. Também poderíamos dizer que C. S. Lewis usou alguma coisa de animismo na sua obra, ao escrever sobre dríades e náiades. Não vejo problema em ler estórias com traços dessa ou daquela doutrina, porque tenho certeza que elas não conseguiriam me converter ao panteísmo ou sei-lá-mais-o-quê. Minha fé está segura em o nome do Senhor Jesus Cristo.

    E agora retornamos ao ponto fundamental: não precisamos nos privar de ler, mas devemos estar atentos ao fato de que nem tudo o que está no papel foi escrito por homens de Deus, e que não podemos nos deixar influenciar por tudo o que ouvimos. Mas se nossa fé for firmada nEle, não será difícil distinguirmos a verdade do engano.

    No mais, rogo a Deus que todos nós amadureçamos nossas preferências e que quer leiamos, quer escrevamos, ou façamos outra coisa qualquer, que façamos tudo para a Glória Dele. Amém!

    Forte abraço, Cristiano.

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  11. Prazer conversar contigo, cara! Aprendi bastante. []'s

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  12. Por favor, eu gostaria de saber seu argumento sobre o ritual feito pelo personagem Rabicho no quarto livro para dar um novo corpo à Lord Voldemort! É um ritual satânico? Obrigado.

    Ps: Sou fã da saga.

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  13. Aquilo não é aterrador?!
    'Osso do pai tirado de sem consentimento', 'sangue do inimigo tirado à força' e 'carne do servo dada de bom grado'...
    Não sei se em algum lugar do mundo existe uma seita que pratique rituais parecidos com esse, mas se existe os praticantes não são nem um pouco bem intencionados!
    Se tivesse que apostar, diria que não: acredito que o tal ritual é só uma construção da autora para dar à coisa uma aparência de malignidade extrema. Mas mesmo que ela tivesse se inspirado em algo que existe de fato, observe que ela não está tentando dar um ar de bondade a algo moralmente ruim. Muito pelo contrário! O Mal está sendo caracterizado como Mal.
    Se a receita para reviver o Lorde das Trevas envolvesse açúcar, tempero, e tudo o que há de bom, aí sim poderiam acusar os livros de tentarem dar um aspecto bonzinho a algo terrível - dar vida eterna a um ser que se pretende a Encarnação do Mal. Mas do modo que está fica muito claro que o projeto é realmente maligno.
    Espero ter respondido bem. Obrigado por sua visita ao blog!

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  14. Respondeu sim, muito obrigado! ^^

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